Francisco de Menezes Dias da Cruz, natural da cidade do Rio de Janeiro, filho de antecedente de igual nome (chefe do Partido Liberal no Rio e professor da Faculdade de Medicina) e de D. Rosa de Lima Dias da Cruz, nasceu a 27 de Fevereiro de 1853. Foi professor de Matemática no Colégio Pinheiro, no qual concluíra o curso de humanidades. Era, nessa época, aluno da Escola de Medicina, durante a qual contraiu núpcias com a Exma. Sra. D. Adelaide Pinheiro Dias da Cruz. Ao formar-se em Medicina, perdeu o pai, que havia sido ferido à baioneta na Igreja do Sacramento. Foi bibliotecário durante dez anos da Câmara Municipal, sendo demitido ao ser proclamada a República, sob a falsa imputação de monarquista. Presidiu o Curso Hahnemaniano e o Instituto Hahnemaniano do Brasil.
Possuidor de enorme clínica, o Dr. Dias da Cruz não fugia aos deveres da caridade, dando, assim expansão aos seus sentimentos humanitários. Homem de grande e invulgar cultura, deixou riquíssima biblioteca. Estudioso desde a infância, preocupou-se com a ciência homeopática e, mais tarde, diante de provas irrefutáveis tornou-se espírita dos mais caridosos e evangélicos. É interessante relatar, ainda que superficialmente, a maneira por que se verificou sua conversão. Tendo chegado ao seu conhecimento que o espírito de seu genitor desenvolvia largo programa de caridade, através de médiuns receitistas, decidiu ele, homem austero e cultor da verdade, ir à Federação Espírita Brasileira para observar e apurar quanto de real pudesse haver em torno da informação recebida.
Iniciada a reunião com a prece habitual, passou-se ao estudo doutrinário. Até então nada ocorrera suscetível de lhe permitir aceitar a sessão das manifestações atribuídas ao espírito de seu pai. Já estava propenso a acreditar em mistificação, quando, à mesa que dirigia os trabalhos, um médium demonstrou haver caído em transe. Era, afinal, a tão desejada manifestação que inesperadamente se realizava. Através do médium, o Espírito do primeiro Dr. Dias da Cruz pediu que chamassem seu filho, que ali se encontrava no meio dos assistentes. Surpreso, este se aproximou, incrédulo. A um dado momento, porém, seu genitor disse-lhe: -Você se lembra daquele fato que ocorreu conosco, na praça tal ? E, a seguir, revelou uma ocorrência só de ambos conhecida, Diante disso, o Doutor Dias da Cruz (filho) sentiu chegada a hora de se render à inelutável evidência. Ninguém o conhecia naquela assembléia e o fato referido pelo espírito era absolutamente desconhecido de toda a sua família, pois somente os dois dele haviam tido o conhecimento.
Percebeu, então, que ao seu caráter íntegro e probo só havia um caminho: aceitar a veracidade da manifestação espirítica de seu genitor. E fê-lo sem constrangimento, com a simpleza natural das almas puras. Pôs-se a estudar o Espiritismo, enfronhou-se na interpretação dos textos doutrinários e passou a ser, daí por diante, um novo e valoroso servidor do Cristo nas fileiras dos seguidores de Kardec.
Em 1885, pronuncia na Federação Espírita Brasileira a sua primeira conferência, e desde então participou de várias comissões importantes de defesa do Espiritismo (1890, 1892 e 1893).
Em 1890, em substituição ao Dr. Bezerra de Menezes, foi, então, o Dr. Francisco de Menezes Dias da Cruz, que anteriormente ocupava a vice-presidência, eleito presidente da Federação Espírita Brasileira, cargo que exerceu com devotamento até os primeiros dias de 1895, quando foi substituído, temporariamente, por Júlio César de Menezes, o “Kardec brasileiro”, seu colega de profissão e amigo.
Sob a sua presidência foram iniciados os trabalhos de socorro material e espiritual da Assistência aos Necessitados, que até hoje constituem o cerne dos serviços cristãos prestados pela Federação Espírita Brasileira. Muitos foram os delicados companheiros que o ajudaram nessa obra grandiosa, mantida e desenvolvida com o maior carinho pela Casa de Ismael, sendo justo salientarmos, de passagem, o nome do confrade Bernardino Cardoso, o qual lhe entregava mensalmente a quantia de um conto de réis. Elevada importância para aqueles tempos (mais de 300 dólares), a fim de que fosse distribuída com os pobres de sua clinica, sob a condição de lhe não revelar o nome.
Em 1896, por proposta de Bezerra de Menezes, e em atenção aos abnegados serviços prestados à Federação Espírita Brasileira, foi Dias da Cruz aclamado presidente honorário da mesma. Dirigiu o Reformador durante o período da sua presidência e escreveu inúmeros artigos doutrinários e de polêmica com assinatura modesta de “Um espírita“. É também autor do livro “O Professor Lombroso e o Espiritismo“.
Foi quem primeiro tentou, em 1891, adquirir um prédio próprio par a FEB e montar oficina tipográfica para a impressão do “Reformador” e de obras espíritas em geral.
Este segundo Dias da Cruz foi, portanto, vice-presidente e presidente da Federação durante muitos anos, desencarnando na cidade do Rio de Janeiro, em 30 de Setembro de 1937, na avançada idade de 84 anos. Gloriosa ancianidade essa, atingida após proveitoso dispêndio de energias em favor do próximo.
Em 1900, o Dr. Dias da Cruz reorganiza, ressuscita o “Instituto Hahnemaniano do Brasil“, que havia sido criado em 1878 pelo mais afamado médico homeopatia do Império, o Dr. Saturnino Soares de Meireles, seu primeiro presidente. Dias da Cruz alugou no centro da cidade, à rua da Quitanda, n.º 59, uma casa para seu consultório, e neste reinstalou o Instituto Hahnemaniano do Brasil. Por Alguns anos os membros do Instituto ali se reuniram, datando dessa época um novo ciclo de grandes atividades e realizações.
Após a morte do Dr. Joaquim Murtinho, subiu à presidência do Instituto, por um ano, o Dr. Teodoro Gomes. Substituiu-o o Dr. Licínio Cardoso, sob a vice-presidência do Dr. Dias da Cruz. Esse foi o período áureo da Homeopatia no Brasil, e frisa um historiador que ao Dr. Dias da Cruz cabe grande parcela das glórias que o Instituto conquistou durante a presidência do Dr. Licínio Cardoso. Os “Anais de Medicina Homeopática “, cuja publicação fora interrompida em 1884, reapareceram em Janeiro de 1901, devido aos esforços do “mais puro dos homeopatas brasileiros”, o Dr. Dias da Cruz, que arrancou a revista do Instituto do túmulo onde jazia, dando-lhe lugar honroso entre as publicações periódicas sobre Medicina. Dela foi ele redator de 1901 a 1902, e de 1906 a 1910. Ficou célebre a polêmica (1900-1901) entre o doutor Dias da Cruz e o Dr. Nuno de Andrade, Diretor Geral de Saúde Pública, médico alopata e acirrado inimigo da Homeopatia, o qual acabou por ser exonerado do cargo que ocupava.
Fundada em 1912, a Faculdade Hahnemaniana (posteriormente denominada Escola de Medicina e Cirurgia, com sede atual à rua Frei Caneca), Dias da Cruz colaborou na organização dos programas de ensino do novel estabelecimento, no qual lecionou a cadeira da Farmacologia e, mais tarde, a 1ª cadeira de Matéria Médica, constituindo-se em verdadeiro mestre de toda uma nova geração. Dias da Cruz foi por muitos anos o orador oficial do Instituto. Sua eloquência e seu saber impressionavam a todos. Quando da inauguração do Hospital Hahnemaniano, em 1916, discursou brilhantemente em nome do Instituto, ante numerosa e ilustrada assistência, presentes Licínio Cardoso, Carlos Maximiliano, Ministro da Justiça, o Barão de Brasílio Machado, Presidente do Conselho Superior do Ensino, o Dr. Paulo de Frontin, Diretor da Escola Politécnica, e representantes do Presidente da República e de Ministérios em geral.
Em 1926, o Dr. Licínio Cardoso pede demissão da presidência do Instituto, sendo eleito, para substituí-lo, o Dr. Fransisco de Menezes Dias da Cruz. Este exerceu o cargo de Presidente efetivo até 29 de Janeiro de 1930. Nesse dia, reunido o Instituto em sessão extraordinária, foi aclamado presidente-perpétuo o Dr. Dias da Cruz, após este haver renunciado, por motivo de saúde, ao cargo de Presidente para o qual acabava de ser reeleito. “Sua aclamação” -escreveu um historiador -“foi um direito conquistado por seu valor mora, sua capacidade intelectual e, sobretudo, por firmeza de suas convicções homeopáticas”.
De 25 a 30 de Setembro de 1926 foi realizado o 1º Congresso Brasileiro de Homeopatia, sob a presidência do Dr. Dias da Cruz.
Propagandista dos mais convictos e autorizados, possuidor de excelente cultura médica, mestre reconhecido pela sua proficiência, com vasta clínica em que abundaram notabilíssimas curas, constituiu ele, por mais um século, “um dos grandes marcos no progresso da Homeopatia no Brasil”. “Não erramos afirmando“-escreveu o Dr. José Emígdio Rodrigues Galhardo -“ser o Dr. Dias da Cruz, entre os homeopatas brasileiros, aquele que maiores e mais perfeitos conhecimentos tem da doutrina hahnemaniana”.
Dizem os seus contemporâneos que o cumprimento do dever era quase que sagrado para o Dr. Dias da Cruz. Como professor, jamais deixou de comparecer à hora certa em suas aulas. Como clínico no Hospital Hahnemaniano, não se fazia esperar pelos doentes. Eis em síntese, a brilhante personalidade daquele que dignificou o Espiritismo e a Homeopatia no Brasil.